Por que um tipo de lesão no joelho é até 6 vezes mais comum no futebol feminino? Especialistas explicam
Mulheres têm de duas a seis vezes mais chances de sofrer lesões no LCA

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Em abril, a Fifa anunciou o financiamento de pesquisas para investigar se há relação entre as flutuações hormonais do ciclo menstrual e a maior incidência de lesões no ligamento cruzado anterior (LCA) entre mulheres.
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A preocupação não é por acaso. De Copa do Mundo ao Brasileirão, a cena de atletas deixando o campo com lesões no joelho se repete. Estudos mostram que as mulheres têm de duas a seis vezes mais chances de sofrer esse tipo de lesão do que os homens.
Para entender os motivos e saber como prevenir esse problema, o Lance! ouviu especialistas.
Lesões de LCA são comuns no Brasileirão Feminino
No Brasileirão feminino, atletas do Palmeiras enfrentaram lesões graves no ligamento cruzado, caso da goleira Natascha e da atacante Dudinha, além de Victoria Liss, que está na fase de recuperação. Mas o Verdão não é o único a sofrer por este tipo de lesão.
Aos 32 anos, a atacante Glaucia, hoje Flamengo e ex-São Paulo, ou por três cirurgias de LCA. Considerados por ela os momentos mais difíceis da carreira, voltou a ser convocada para a Seleção Brasileira em fevereiro deste ano e festejou a retomada à alta performance.
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Como ocorre a lesão de Ligamento Cruzado Anterior (LCA)
O LCA é o responsável por ligar a tíbia ao fêmur e tem papel fundamental na estabilização do joelho, especialmente nos movimentos laterais.
Segundo Cássio Siqueira, Doutor em Ciências e supervisor de Fisioterapia do Esporte na Universidade de São Paulo, o mecanismo mais comum da lesão no futebol é sem contato físico.
— O atleta faz um movimento brusco, sente o joelho sair do lugar e, muitas vezes, ouve um estalo. Em alguns casos, até quem está perto consegue ouvir — explica ele.
Essa ruptura gera um quadro imediato de dor, instabilidade e sangramento interno. Isso ocorre porque o ligamento é revestido por uma camada muito vascularizada. Por isso, é raro ver o atleta continuar em campo após uma lesão desse tipo.

O primeiro diagnóstico é clínico, feito ainda no campo ou nos primeiros atendimentos, com testes específicos como o de Lachman, Gaveta anterior ou Pivot Shift. Mas é a ressonância magnética que confirma a gravidade e revela possíveis lesões associadas, como danos ao menisco ou contusões ósseas.
A decisão entre cirurgia ou tratamento conservador não é simples, como explica o especialista.
— Essa é uma escolha feita em conjunto, entre médico, atleta e, no caso dos clubes, com participação também da comissão técnica. A prioridade é sempre garantir o retorno ao esporte no menor tempo possível, sem comprometer a segurança do atleta — diz Cássio.
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Fatores biológicos colaboram com maior incidência entre mulheres
Apesar de as lesões musculares serem mais comuns nos homens, quando se fala em lesões articulares, a incidência é maior nas mulheres.
O quadril mais largo, o joelho em valgo e o centro de gravidade mais alto são características anatômicas que aumentam o risco. Soma-se a isso a menor exposição das mulheres ao esporte desde a infância, o que impacta diretamente no repertório motor e no controle neuromuscular.
Hoje na equipe principal masculina do Palmeiras, a fisioterapeuta Jéssica Fernandes atuou com futebol feminino por seis anos, entre base e profissional. Ela tem agens por Santos, São Paulo e Seleção Brasileira de base.
Nesta trajetória, pôde contribuir para que o Tricolor Paulista asse três anos sem lesões graves. Sem segredo, aposta no aprimoramento da biomecânica (a forma como se executa o movimento) para alcançar bons resultados.
— As atletas, muitas vezes, não foram expostas ao futebol na infância, nem a outros esportes. Isso limita o comportamento motor, que é essencial para lidar com as demandas de ações rápidas, como mudanças de direção, saltos e desacelerações — explica Jéssica.
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Mudança na intensidade do jogo
O futebol feminino vive uma crescente em intensidade. Para a fisioterapeuta, o jogo com maior ocupação de espaços e cobrança física das atletas também aumenta os riscos.
— A mudança (de intensidade na partida) foi abrupta. A grande questão é que uma variável que devemos lidar, não tem como mudar, então temos que nos atentar no que podemos aprimorar. — enfatiza ela.
Em média, um atleta que a por cirurgia de ligamento cruzado anterior fica afastado por, pelo menos, cinco meses. Depois, inicia o trabalho com bola, mas o retorno ao alto rendimento depende de diferentes fatores, de biológicos à estrutura dos clubes.
No processo de reabilitação e retorno ao esporte, o fator mental deve ser considerado, uma vez que as profissionais am meses sem contato com o campo. Jéssica destaca, ainda, a reincidência da lesão.
— Muitas vezes acontece da jogadora machucar o direito, depois o esquerdo. Não há muitas explicações, mas pode ter relação com o comportamento motor assimétrico. Infelizmente é bem comum — explica.
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Ciclo menstrual pode influenciar
Outro fator que vem sendo estudado é o ciclo menstrual. Pesquisas na Europa tentam entender se picos hormonais, que aumentam a frouxidão de tecidos ligamentares em determinadas fases do ciclo, podem favorecer a ocorrência de lesões.
No São Paulo, Jéssica participou de um trabalho integrado que acompanhava o ciclo das atletas através de um aplicativo, cruzando essas informações com decisões de treino, abordagens médicas e, quando necessário, uso de anticoncepcionais.
Pensando na prevenção, o São Paulo desenvolveu um protocolo focado na melhora do comportamento motor, com sessões duas vezes por semana antes dos treinos, de 15 a 20 minutos, incluindo exercícios segmentados, individuais e em grupo.
Gramado sintético e as lesões
Além dos fatores biológicos, Cássio Siqueira levanta outro ponto que pode influenciar o aumento das lesões: o gramado sintético. Em geral, esse tipo de grama gera mais atrito, trava mais o pé, o que pode favorecer o mecanismo da entorse.
O pesquisador Jan Ekstrand, do Aspetar (renomado centro de medicina esportiva mundial, que fica em Doha, no Catar), destacou em seu estudo que o sintético pode reduzir distensões musculares, mas potencialmente aumentar casos de entorses. Já análises do futebol americano universitário entre 2007 e 2019 apontaram maior incidência de lesões de LCA no sintético no futebol feminino, sem diferença significativa no masculino.
Enquanto a ciência busca respostas definitivas, profissionais de saúde, cientistas e atletas seguem atuando no que está ao alcance: fortalecer o corpo, aprimorar movimentos e, acima de tudo, entender que prevenir não é opção, mas necessidade.
Dicas para prevenir lesões de LCA
Fortalecimento muscular bem estruturado
- Manter uma rotina consistente de treinos de força, acompanhada pela preparação física e fisioterapia.
- Fortalecer especialmente os músculos estabilizadores do joelho, como quadríceps, posterior de coxa, glúteos e core (abdômen e lombar).
Treino de comportamento motor e biomecânica
- Trabalhar padrões de movimento fundamentais, como corrida, mudanças de direção, saltos, aterrissagens e desaceleração.
- O foco é melhorar o controle neuromuscular, equilíbrio e estabilidade, reduzindo os riscos nas demandas do jogo.
Protocolos específicos de prevenção
- Realizar sessões preventivas antes dos treinos, com duração de 15 a 20 minutos, focadas em exercícios segmentados.
- Esses treinos podem ser individuais ou em grupo, com frequência ideal de duas vezes por semana.
Atenção ao desenvolvimento motor desde a base
- A falta de experiências motoras na infância, como correr, pular, jogar e andar descalço, impacta diretamente no controle motor na vida adulta.
- Quanto mais cedo houver exposição a atividades esportivas variadas, menores as chances de lesões no futuro.
Monitoramento do ciclo menstrual
- Acompanhar o ciclo hormonal das atletas, já que determinados períodos podem gerar maior frouxidão ligamentar, aumentando o risco de lesões.
- Adaptação da carga de treino, intervenções médicas, quando necessário, e acompanhamento constante são medidas recomendadas.
Atenção ao tipo de gramado
- Gramados sintéticos geram mais atrito, o que pode favorecer o mecanismo de entorse.
- Sempre que possível, alternar os tipos de piso, utilizar calçados adequados e monitorar o impacto desse tipo de gramado na carga de treino.
Cuidado com o fator mental e psicológico
- A prevenção também a pela saúde mental. Trabalhar a confiança, reduzir o medo e a insegurança nos movimentos é fundamental para que a atleta execute os gestos de jogo com segurança.
* As informações foram listadas a partir de conversa com os fisioterapeutas Cássio Siqueira e Jéssica Fernandes e têm caráter informativo. Consulte profissionais de saúde regularmente.
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